Emirado da Sicília (إمارة صقلية) Imarat Siqilliyya

A Sicília, juntamente com o sul da Itália, também foi uma das rotas mais importantes da civilização islâmica para a Europa. Os muçulmanos conquistaram Palermo (Árabe: بَلَرْم‎, Balarm), capital da Sicília, em (216 AH / 831 d.C.) e a governaram até (485 AH / 1092 d.C.), ou seja, cerca de 260 anos, durante os quais a vida na Sicília teve uma forte influência árabe islâmica.

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Durante esses anos, os muçulmanos estavam interessados no desenvolvimento e construção e estavam ansiosos para introduzir aspectos da civilização, como mesquitas, palácios, casas de banho, hospitais, mercados e castelos. Grandes indústrias, como a de papel, construção naval e mineração foram introduzidas. As ciências e as artes progrediram na Sicília, e os alunos imigraram da Europa para a Sicília em busca do conhecimento.

Em seguida, a cidade se transformou em um importante centro através do qual a herança islâmica transferiu-se para o Ocidente. Também teve início o movimento de tradução do árabe para o latim, semelhante ao realizado na Andaluzia.

Embora o governo islâmico da ilha tenha terminado no final do século XI, a civilização islâmica continuou sob os cuidados dos reis normandos, sob cuja proteção viveram muitos estudiosos muçulmanos, como o sábio geógrafo Muhammad Al Idrissi, que desenhou para Rogério II (1130 -1154 d.C.), o mapa do mundo como ele era conhecido no seu tempo em um círculo de prata lisa.

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A Tabula Rogeriana, elaborado por al-Idrisi para Rogério II da Sicília em 1154, um dos mapas do mundo antigo mais avançados.

Al Idrissi também escreveu o livro “Nuzhat al-Mushtaq fi ikhtiraq al-Afaq (A jornada dos aspirantes a penetrar os horizontes), que descreve este mapa. Em seu livro “A história da literatura árabe geográfica”, o orientalista russo Kratchkovski comentou sobre este livro.

Falando de Rogério, ele disse: “E seu encargo a um cientista árabe em particular para fazer uma descrição do mundo como ele era conhecido naquela época é uma prova clara da superioridade da civilização árabe naquela época, e do reconhecimento desta superioridade da parte de todos. O Tribunal dos normandos na Sicília era oriental em sua metade, se não mais.”

A nova cultura islâmica atraiu os europeus, e seu impacto continuou durante o governo dos normandos. A vida na corte da Sicília – especialmente durante o reinado de Rogério II e Frederico II – foi próspera e elegante, e tinha como objetivo aproximar-se de Córdoba. Os dois reis adotaram o estilo de vestir e o modo de vida árabe.

Os governantes normandos da Sicília tiveram assessores e funcionários árabes e muçulmanos, e estudiosos de Bagdá e da Síria estiveram sob o estandarte deles. Mais ainda, três reis normandos na Sicília receberam títulos árabes, Rogério II carregou o título de “Al-Mu’tazbillah”, Guilherme I recebeu o título de “Al-Hadi biamrillah”, e William II “Almusta’iz billah”. E estes títulos apareceram em suas inscrições.

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Detalhes em escrita árabe no Manto de Rogério II.

islamBR italia 000002 Manto de Rogério II da Sicília (22 de dezembro de 1095 – 26 de fevereiro de 1154) foi o primeiro rei da Sicília, de 1130 a 1154, viveu sua infância em Palermo e teve preceptores gregos e árabes, tanto que aprendeu a língua grega, o latim e o árabe,neste manto podemos notar os traços da arte árabe islâmica, nele existe inscrições em língua árabe e é ricamente decorado com aspectos da arte árabe islâmica.

Rogério II, (Rujari), ficou conhecido por ter unido todas as conquistas normandas em um único reino, fundador do Reino das duas Sicílias. Admirador do Islam, Rogério II (Rujari) governou com a ajuda de vários intelectuais muçulmanos, entre eles Al-Idrisi, e tentou impedir as perseguições aos muçulmanos praticadas por bispos e barões cristãos em seu reino.

Frederico II (1194 – 1230 d.C.) foi coroado imperador do Sacro Império Romano em 1220 d.C., mas ele preferiu viver na Sicília, ele tinha um interesse especial em ciências e encorajou as discussões científicas e filosóficas. Foi ele quem fundou a Universidade de Nápoles em 1224 d.C., que tinha um grande número de manuscritos árabes. As culturas árabe e islâmica se espalharam nas universidades europeias, incluindo a de Paris e Oxford, e vários livros foram traduzidos do árabe para o latim.

Entre os tradutores: Stephen de Antioquia (1127 d.C.), Adelardo de Bath (cerca de 1133 d.C.), e Michael Scot, que traduziu livros para o rei Frederico II, incluindo Ibn Rushd. O rei de Nápoles, Carlos I se interessou na tradução dos livros árabes de medicina para o latim e criou uma instituição que compreende experientes tradutores, tais como Faraj ibn Salem, Mussa de Salerno, bem como os escribas e revisores.

Os livros de “Al-Hawi” de Al-Razi e “Taqwim al-Abdan” por Ibn Jizla foram traduzidos nesta instituição. A Sicília foi preparada para a transferência do pensamento antigo e contemporâneo. Entre os seus habitantes havia quem sabia o idioma árabe e o idioma grego, juntamente com alguns intelectuais que sabia latim. A Sicília era filiada ao Império Bizantino e teve alguns aspectos culturais gregos.

A existência das três línguas ao mesmo tempo facilitou a transferência do conhecimento árabe. Antes disso, a escola de Salerno foi o centro para o ensino de medicina por cerca de 300 anos (900-1200 d.C.), situa-sele no sul da Itália e estava intimamente ligada à Sicília. O mais importante de sua história foi Constantino, o Africano de origem árabe, que nasceu na Tunísia, e tornou-se famoso entre 1065 e 1085 d.C.

Ele traduziu um grande número de livros de medicina do árabe para o latim. A ele é creditada a tradução de quarenta livros, incluindo Kamil al-Sina’ah al-Tibiyah (o perfeito engenho da medicina) e Al-Kitab al-Malaki (O livro real) por Ali Ibn Abbas (falecido em 1010 d.C.), e outros livros de Ibn al-Jazzar, Isaac ibn Imran, Isaac ibn Sulaiman, todos os três de seu país natal, a Tunísia.

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Esta placa com inscrição trilíngue (latim, grego bizantino e árabe) encontra-se no Palazzo dei Normanni em Palermo. Ela comemora a construção de uma “Horologium” (relógio) em 1142, sob o reinado de Rogério II, e mostra como diferentes culturas estavam convivendo em harmonia.

Constantino deixou de mencionar os nomes dos autores originais de alguns livros em árabe. Existem diferentes razões para isso, mas isso não diminui sua importância como o primeiro tradutor que introduziu a ciência islâmica na Europa e foi o motivo do florescimento da escola de Salerno.

A língua árabe foi uma das línguas ensinadas nesta escola, que foi contemporânea de grandes médicos árabes muçulmanos e autores, como Al-Razi (falecido em 925 d.C.), Ibn Al-Jazzar (falecido em 975 d.C.) e Ali ibn Abbas (falecido em 1010 d.C.).

O rei Frederico II, retratado em seu Palácio de Palermo, Sicília, continuou a ter grande respeito pelos sábios muçulmanos, assim como o seu pai, Rogério II, incentivou e financiou as traduções de obras científicas em árabe para o latim, aproveitando-se do vasto legado cientifico disseminado pelos muçulmanos na Sicília.

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Diversos livros foram publicados em Grego, Latim e o Árabe, prova do alto nível cultural desenvolvido pelos muçulmanos na Sicília.

O Sr. Cowel Yong disse sobre Sicília: “Sicília foi um campo para o livre encontro entre as línguas dos gregos, dos latinos, dos árabes e berberes e seus conhecimentos. O resultado foi o nascimento de uma cultura mesclada, que – graças ao incentivo de Rogério II e Frederico II – desempenhou um grande papel na transferência do que há de melhor na civilização islâmica para a Europa através da Itália. Palermo se tornou no século XIII igual a Toledo no século XII, um grande centro para a tradução de livros árabes para o latim.”

Diversos livros foram publicados em Grego, Latim e o Árabe, prova do alto nível cultural desenvolvido pelos muçulmanos na Sicília. Os normandos também mantiveram os profissionais muçulmanos porque tinham grande confiança neles. E também mantiveram os mesmos sistemas administrativos e financeiros utilizados pelos muçulmanos, desde o diuan de gestão financeira e o diuan do Tesouro até o diuan de escrituras de venda de imóveis.

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O rei Frederico II, retratado em seu Palácio de Palermo, Sicília, continuou a ter grande respeito pelos sábios muçulmanos, assim como o seu pai, Rogério II, incentivou e financiou as traduções de obras científicas em árabe para o latim, aproveitando-se do vasto legado cientifico disseminado pelos muçulmanos na Sicília.

E os registros desses departamentos eram escritos em árabe. No domínio das artes militares, os normandos zelaram em recrutar muitos muçulmanos, pois esta era uma oportunidade e um terreno fértil para a transferência de habilidades de combate e, até mesmo, de indústrias militares, tais como catapultas e torres de cerco. E assim, a Sicília e o sul da Itália representaram outra importante rota de transferência da civilização islâmica para a Europa.

Palermo a Capital Cultural do Emirado (Árabe: بَلَرْم‎ Balarm)

Após o acordo firmado pelo almirante Euphemius que fugiu para a Tunísia em 827 e pediu ao líder da dinastia Aghlabida Ziyadat Allah para ajudá-lo na retomada da ilha, foi então que muçulmanos conquistaram a Sicília, estabelecendo então o Emirado da Sicília. Os Aghlabidas eram bons administradores, e no seu governo a Sicília tornou-se uma terra rica e próspera.

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Palácio La Zisa uma jóia arquitetônica que exibe muitas características da arquitetura islâmica, incluindo o seu nome, que tem origem na expressão árabe “Dar al-Aziz”, ou seja, a morada nobre ou esplêndida. Serviu como moradia para os Emires da Sicília durante o governo islâmico da ilha, e posteriormente foi transformado em Palácio pela realeza normanda, La Zisa exemplifica a confluência de culturas, tão típicas do período Normando (1061-1194), na Sicília, pela influência da cultura muçulmana, criando um momento único na história da arquitetura.

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Palácio La Zisa uma jóia arquitetônica que exibe muitas características da arquitetura islâmica, incluindo o seu nome, que tem origem na expressão árabe “Dar al-Aziz”, ou seja, a morada nobre ou esplêndida. Serviu como moradia para os Emires da Sicília durante o governo islâmico da ilha, e posteriormente foi transformado em Palácio pela realeza normanda, La Zisa exemplifica a confluência de culturas, tão típicas do período Normando (1061-1194), na Sicília, pela influência da cultura muçulmana, criando um momento único na história da arquitetura.

Serviu como moradia para os Emires da Sicília durante o governo islâmico da ilha, e posteriormente foi transformado em Palácio pela realeza normanda, La Zisa exemplifica a confluência de culturas, tão típicas do período Normando (1061-1194), na Sicília, pela influência da cultura muçulmana, criando um momento único na história da arquitetura.

A população aumentou com a imigração de muçulmanos da África, Ásia e al-Andalus, assim como de berberes, que se concentraram no sul da ilha. O emir em Palermo nomeou os governadores das cidades principais (qadi) e das cidades menores (hakim), além de outros funcionários da administração.

Cada cidade tinha um conselho chamado de gema, composto dos mais eminentes membros da sociedade local e que era encarregado de cuidar das obras públicas e de manter a ordem. A população nativa siciliana viveu sob o status de dhimmi (“povo do livro”, condição estendida aos cristãos e judeus) e outros se converteram para o Islam.

Os governantes muçulmanos permitiram ao habitantes locais a liberdade de religião. Foi então que Palermo (Balharm durante o domínio árabe) desbancou Siracusa como a principal cidade da Sicília, a qual chegou a competir com Córdoba e Cairo, em termos de importância cultural e esplendor. Em geral o domínio muçulmano foi tolerante, e os judeus também tiveram seu espaço e foram prósperos em todas as áreas.

A árabes também introduziram novas tecnologias agrícolas, e itens de culinária que permanecem até os dias de hoje um dos pilares da cozinha siciliana. Os árabes iniciaram então reformas agrárias que aumentaram a produtividade e encorajaram o crescimento de pequenas propriedades, um ataque ao domínio dos grandes latifundiários feudais da Sicília. Eles também reformaram e ampliaram as obras de irrigação, e o cultivo da laranja, limão , pistache e a cana foram ampliadas pelos árabes na agricultura da Sicília.

Com aproximadamente 350.000 habitantes, Palermo do século X era a cidade mais populosa da Itália. Uma descrição da cidade foi dada por Ibn Hawqal, um comerciante de Bagdá que visitou a Sicília em 950. Um subúrbio murado chamado de Kasr (a cidadela) era (e permanece sendo) o centro da cidade e a grande mesquita foi construída no local de uma catedral do final do período romano.

O subúrbio de al-Khalisa (Kalsa) abrigava o palácio do sultão, os banhos, uma mesquita, os escritórios do governo e uma prisão pessoal. Ibn Hawqal contou 7.000 diferentes açougueiros trabalhando em 150 açougues.

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Mapa da Sicília elaborado por Piri Reis, Hadji Muhammad, conhecido no Ocidente como Piri Reis (c. 1465 — 1554), foi um almirante Otomano. É autor da obra “Livro da Marinha” (1521), onde inclui um mapa-múndi que compusera em 1513, o chamado “Mapa de Piri Reis”, atualmente no Palácio de Topkapı em Istambul.

Após um longo período de dominação árabe muçulmana, houve uma reconquista cristã pelos normandos do Ducado da Normandia, que eram descendentes dos Vikings. Palermo foi conquistada em 831 pelos árabes do Norte da África e tornou-se a capital do Emirado da Sicília até 1072, quando retornou ao domínio cristão.

Por mais de 200 anos Palermo foi a capital de um florescimento da civilização islâmica na Sicília. Em 1050, Palermo teve uma população de 350.000 habitantes, tornando-se uma das maiores cidades da Europa, perdendo apenas para Espanha islâmica e sua capital Córdoba, que tinha uma população de 450.000 habitantes. Em contraste, após a retomada da Sicília pelos cristãos a população de Palermo caiu para 150 mil habitantes, e em 1330, a população de Palermo caiu para 51.000 habitantes.

Vestígios da antiga dominação árabe pode ser visto ainda hoje. Artefatos muçulmanos incluem o Kasr (“Castelo”), o distrito da Grande Mesquita, o Kalsa (“Eleito”), a sede dos emires junto ao mar, e na região oeste, a Moasker, bairro dos soldados. No entanto, o emirado árabe muçulmano tornou-se cada vez mais dividido por disputas internas e foi uma presa bastante fácil para os normandos, que tinha entrado Sicília em 1061. Em 1072, após quatro anos de cerco, Palermo caiu ao Conde Roger I da Sicília, terminando a presença árabe na Sicília.

A Escola de Tradução em Palermo

Palermo foi a capital e a base cultural para os muçulmanos, normandos e alemães. De acordo com Al Idrisi, havia uma biblioteca islâmica no centro de Palermo chamado Al Khalsa, que era a sede dos soldados e do Emir durante o emirado islâmico. Os muçulmanos a chamavam de Al Madina e os cristãos a chamavam de Palermo.

Foi visitada e descrita por viajantes muçulmanos e geógrafos como Hawkal Ibn Al Baghdadi (d. 380 AH), Al Sharif Al Idrisi Al-Sabti (548 AH) e Ibn Jubair Al Balansi Al-Andalusi (614 AH). Uma escola para a tradução foi fundada em Palermo no século XIII, semelhante à escola em Toledo, na Espanha. As duas escolas estabeleceram relações estreitas e trocaram livros, traduções e conhecimento científico.

O cientista Michael Scott, um dos alunos na escola de Toledo que traduziu as obras de Aristóteles e os comentários de Ibn Rushdi, frequentemente visitava a escola de Palermo. Sabe-se que o Alcorão foi traduzido para o latim na primeira metade do século XII.

A história da ascensão do Profeta também foi traduzido sob as ordens do rei espanhol Alfonso, o Sábio em castelhano, francês e latim e se tornou amplamente disponível na Espanha e na Itália a partir do século XIII. Estas traduções chegaram rapidamente as universidades de Paris, Nápoles e Bolonha.

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Alcorão Sagrado traduzido para o Latim.

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O trabalho de tradução em Palermo foram principalmente as obras em matemática, filosofia e as ciências naturais. Algumas das obras traduzidas mais importantes foram: as obras de Avicena (d. 1037 dC) como “Al-Qanun Fi-Al-Tib” e “Al-Shifa’a em Filosofia”, e os livros de Al Razis (d. 932 AD), como ‘Al Hawi Fi Al Tib.

Alguns dos tradutores mais proeminentes eram Eugênio de Palermo e Leonardo Pisano. Um dos resultados dessa atividade científica são os milhares de manuscritos árabes ainda existentes na Biblioteca do Vaticano, em Roma.

Para concluir, a Sicília foi a segunda ponte cultural na Idade Média para a transmissão do conhecimento da civilização islâmica para a cultura européia. Deve ser enfatizado que os cientistas e estudiosos muçulmanos não eram meramente copiadores ou tradutores, eles modificaram o legado clássico, assimilado e criando uma nova cultura com um selo islâmico. E todo este conhecimento foi transmitido a Europa, grandes pensadores e cientistas europeus vieram a procura deste conhecimento tanto na Espanha muçulmana quanto na Sicília.

O Emirado de Bari

O Emirado de Bari foi um estado muçulmano de curta duração centrado na cidade de Bari, no sul de Itália, que existiu entre 847 e 871. Foi o episódio mais longo da história do Islam no sul da Itália. Ela se tornou a capital de um pequeno estado islâmico independente com um emir e uma mesquita central. O primeiro emir foi Khalfun, um líder berbere que provavelmente era oriundo da Sicília.

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Após a sua morte em 852, ele foi sucedido por Mufarraq ibn Sallam, que consolidou a conquista e expandiu suas fronteiras. Ele também pediu o reconhecimento oficial para o governador do Egito em nome do califa de Bagdá al-Mutawakkil como wali (governador de uma província do Califado Abássida).

O terceiro e último emir de Bari foi Sawdan, que subiu ao poder cerca de 857. Em 864, o emirado foi finalmente reconhecido oficialmente pelo califado, Em meados da década de 860, o monge franco Bernardo, o Sábio e dois acompanhantes fizeram uma parada em Bari quando seguiam para Jerusalém em peregrinação.

O seu pedido a Sawdan por cartas de salvo-conduto para todo o caminho através do Egito e da Terra Santa foi atendido. Segundo o Itinerarium Bernardi, o relato da peregrinação de Bernardo, o “civitatem sarracenorum” (cidade sarracena) tinha pertencido aos “beneventanos”.

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Castelo de Bari, traços de influência da arquitetura árabe islâmica do norte da África.

A obra hebraica Crónica de Ahimaaz conta que Sawdan, o último emir de Bari, governou a cidade de forma sensata e civilizada, e tinha boas relações com o académico judeu Abu Aaron. Há evidências de que na região a cultura florescia nesse tempo, e Giosuè Musca sugere que o emirado foi muito benéfico para a economia local. No reinado de Sawdan, a cidade de Bari foi embelezada com uma mesquita, palácios e outras obras públicas.

O emirado de Bari durou o tempo suficiente para estabelecer relações com os seus vizinhos cristãos. Segundo o Chronicon Salernitanum (Crónica de Salerno), o emirado enviou embaixadores (legati) a Salerno, os quais ficaram hospedados no palácio episcopal, Bari também serviu de refúgio a pelo menos um exilado político, um rival do sacro imperador romano Luís II, que fugiu da sua terra natal, Spoleto, durante uma revolta.

Alcamo

Alcamo é a quarta maior cidade da província de Trapani , no noroeste da Sicília , no sul da Itália, foi fundada em 828 pelo comandante muçulmano al-Kamuk (a cidade recebeu o seu nome), embora outras fontes datam que a sua origem seja por volta de 972. O primeiro documento mencionando Alcamo é de 1154, um documento feito pelo geógrafo árabe Idrisi. Alguns anos depois, ibn Jubayr descreve a cidade como um Beleda (cidade com mesquitas e um mercado).

Na Idade Média Alcamo foi habitada por povos muçulmanos, cujos números diminuíram no entanto, após a conquista normanda da Sicília, iniciada em 1060. Uma série de revoltas árabes entre 1221 e 1243 levou o rei Frederick II a expulsar grande parte da população árabe a uma colônia em Lucera , enquanto os cristãos da Bonifato vieram habitar a cidade. Nesse período, nasceu o famoso poeta Ciullo ou Cielo d’Alcamo. Senhores feudais do Reino de Nápoles conseguiram o domínio da cidade até que em 1618 Vittoria Colonna vendeu a região de Alcamo para Pietro Balsamo, príncipe de Roccafiorita, por 2.000 escudos.

Influência Árabe Islâmica e o Seu Legado

A arte e ciência árabes islâmicas continuaram a ser muito influentes na Sicília durante os dois séculos seguintes à reconquista cristã. Acredita-se que o imperador Frederico II do Sacro Império Romano-Germânico, também rei da Sicília no início do século XIII, tenha sido fluente em árabe (além do latim, francês, alemão, grego e siciliano) e tenha contratado diversos ministros muçulmanos.

A herança da língua árabe ainda pode ser encontrada em diversos termos adaptados dela e ainda em uso na língua siciliana. Outro legado do jugo muçulmano foram diversos topônimos de origem árabe, como por exemplo “Calata-” ou “Calta-“, do árabe “Qal’at” (قلعة), que significa “castelo de”.

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A igreja de San Cataldo é um exemplo notável da arquitetura árabe, que floresceu na Sicília sob a dominação normanda da ilha.

Além disso, um estudo genético de 2009 revelou uma pequena, mas estatisticamente relevante, contribuição de genes do noroeste da África entre os habitantes das localidades próximas da cidade de Lucera. Com o declínio do Império Romano antes da Idade Média, as sociedades muçulmanas, tendo conquistado cidades na Europa, os muçulmanos preservaram e propagaram a própria herança cultural do Ocidente.

Não só tinham conseguido este feito prodigioso, mas os governantes muçulmanos da Sicília e da Espanha criaram um modelo de sociedades multiculturais na Europa que floresceram durante centenas de anos.

Durante o período que os muçulmanos governaram estas regiões da Europa criou-se uma sociedade em que muçulmanos, cristãos e judeus, sendo todos Povo do Livro, conseguiam coabitar pacificamente – uma conquista que foi, sem dúvida rara e significativa.

Mesmo após a queda dos governos islâmicos neste locais, mesmo assim de forma considerável inúmeros elementos de sua cultura tornou-se integrada a cultura siciliana em geral, onde estas influências persistem até os dias de hoje.

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Ao longo dos anos a arquitetura siciliana recebeu uma forte influência do estilo árabe de construção.

Gioacchino Balducci é professor de Estudos italianos na Stony Brook University, New York nos Estados Unidos, e fez uma apresentação detalhada sobre a infusão cultural islâmica na Sicília, em um evento organizado pelo Centro de Estudos Italianos. Balducci, passou vários anos estudando a língua árabe e a cultura muçulmana, no Cairo, sendo um eminentemente e qualificado historiador neste assunto. Ao longo da apresentação, ele reiterou o papel central desempenhado pela cultura islâmica em trazer paz e prosperidade para a Sicília, durante o período do domínio muçulmano.

Por mais de quatro séculos, a cultura islâmica foi uma grande força e ativa na sociedade siciliana, mesmo durante grande parte do período subsequente, quando os normandos substituíram os governantes muçulmanos na esfera política. Como observou Balducci, cada cultura tem suas próprias raízes.

Mas tem sido historicamente demonstrado que a maioria das culturas não entram em pleno ápice até que eles entrem em contato com outras culturas, assim foi o caso da Idade Média na Sicília. Tendo raízes na Sicília, Balducci notou que o seu interesse ao longo da vida na cultura siciliana ajudou a desenvolver seus estudos em influências culturais islâmicas sobre a ilha.

O Sicani, os habitantes originais da Sicília, tinha experimentado inúmeras e sucessivas ondas de conquista e colonização dos povos do Mediterrâneo. No tempo dos romanos, já tinham perdido muito da sua cultura original, influenciados pelos gregos e, mais tarde, os colonizadores romanos.

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O Castelo Sarraceno em Taormina, testemunho da presença árabe muçulmana na Sicília.

Uma das principais razões pela qual a Sicília, foi alvo da conquistada por um conjunto tão diverso de povos como os gregos, romanos, muçulmanos, normandos e outros, era o rico solo da ilha que durante todo o ano praticamente era fértil para todo o tipo de cultura agrícola.Além da abundância agrícola mencionado anteriormente da Sicília como um fator motivador para a sua conquista, a localização central da ilha no Mediterrâneo foi uma das principais razões pelas quais tantos reis disputavam o controle da Sicília.

Aquele que controla-se a Sicília teria não só o seu potencial agrícola, mas também o acesso as rotas de navegação no Mediterrâneo. Estas duas razões principais levados em conta ajudam a explicar por que os bizantinos que antes dominavam Sicília, lutaram tenazmente contra os muçulmanos durante 70 anos antes de finalmente abrir mão de todas as suas reivindicações na ilha.

Os governantes muçulmanos construíram mesquitas, e Palermo sozinha no auge do governo muçulmano tinha duzentas mesquitas. Estudiosos muçulmanos logo passaram a ocupar-se com a preservação e tradução da literatura grega onde quer que a encontrassem, propagando assim o conhecimento clássico ocidental que, em grande parte havia sido esquecido, ou, na melhor das hipóteses, relegado apenas para um seleto grupo de mosteiros na Europa cristã.

Palermo, como o centro da vida política, na Sicília, tornou-se também o seu coração cultural e dali floresceu o conhecimento para o resto da Europa. Os emires muçulmanos inauguraram uma época prodigiosa de construções suntuosas influenciadas pela arquitetura islâmica na cidade, com uma complexa distribuição de água e jardins proliferando por toda a cidade.

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Castello dell’Emiro (Misilmeri), testemunho da presença árabe muçulmana na Sicília.

Um período de prosperidade que não eram vistos há séculos haviam chegado à Sicília muçulmana, em grande parte graças às políticas islâmicas e uma característica fundamental de incentivo a uma sociedade multicultural.

Tal riqueza foi alcançado pelo período de paz interna e a estabilidade, garantidas pelos emires muçulmanos, juntamente com as reformas econômicas necessárias para o crescimento do estado. A introdução de novas culturas, especialmente frutas cítricas, como limões e laranjas, que cresceram e continuam a crescer, muito bem, na Sicília, estimulou de maneira formidável o crescimento econômico.

A reforma agrária massiva instituída pelos governantes muçulmanos também desempenharam um papel importante na prosperidade econômica da ilha. Grande parte das terras da Sicília tinham sido dadas anteriormente há um pequeno grupo de ricos proprietários de terras, que possuíam estes latifúndios, ou grandes propriedades agrícolas, que também eram relíquias do domínio grego e romano na Sicília.

Os latifúndios foram divididos e distribuídos para as famílias de agricultores individuais, o que resultou em um aumento na riqueza dos pequenos agricultores. Em parte devido à nova era de paz e prosperidade, a população da Sicília estava satisfeita com os novos governantes muçulmanos.

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La Cubula em Palermo um exemplo da arquitetura islâmica.

O Islam era a religião oficial do governo, e isto beneficiou os cristãos e judeus. Como monoteístas e por serem crenças antecessores do Islam, aos seguidores do judaísmo e cristianismo foram concedidos um status superior ao de qualquer politeístas ou ateus declarado.

Enquanto Sicília contemporânea é um bastião do catolicismo romano, os traços de influências culturais muçulmanas são facilmente visíveis para as pessoas com um olhar perspicaz. Milhares de nomes de lugares e nomes de pessoas na Sicília são derivados da língua árabe, até os dias de hoje e grande parte da culinária tradicional siciliana tem a sua origem do Norte da África.

Os restos mais claramente visíveis da difusão cultural muçulmana são as inúmeras estruturas arquitetônicas que sobreviveram a partir do período muçulmano e alguns do período dos Normandos que foram influenciados pelo estilo arquitetônico islâmico. La Cuba, o palácio pessoal de William II, o rei normando da Sicília, foi concebido em grande parte por arquitetos árabes que agora estavam sobre as ordens do reio normando.

A Ponte “dei Saraceni”, um dos últimos remanescentes do período muçulmano, é outro exemplo notável da arquitetura islâmica.Um exemplo mais marcante da harmonização das diferentes influências arquitetônicas está incorporada em “Il Duomo di Monreale”, que aparentemente sem esforço, unifica o árabe e o normando e tradições arquitetônicas bizantinas.

O Fim da Presença Muçulmana na Sicília

Muitas medidas repressivas foram introduzidas pelo imperador Frederico II para agradar os papas, que eram intolerantes com a presença islâmica tão próxima do coração da cristandade. O resultado foi uma revolta dos muçulmanos da Sicília, o que incitou, por outro lado, na organização de milícias e revanches que foram a marca do capítulo final dos muçulmanos na Sicília.

O “problema muçulmano” caracterizou o governo dos Hohenstaufen na ilha sob o comando do imperador Henrique VI e seu filho Frederico II. A aniquilação completa se completou no final da década de 1240, quando as últimas deportações para o assentamento muçulmano de Lucera foram realizadas.

“Quando William de Apulia estava descrevendo a captura de Palermo em seu “De Rebus Gestis Normannorum” na Sicília, ele descreve a oferta de Roger em dar segurança em favor dos habitantes muçulmanos. Ao mesmo tempo em que ele destruía todas as mesquitas, e transformava a principal mesquita de Palermo na igreja da Virgem Maria.” [N. Daniel: The Arabs; op cit; p. 148.]

No início do século XIV, toda a presença muçulmana foi extinta da ilha. A eliminação dos muçulmanos da Sicília foi devido a uma forte pressão colocada sobre os diferentes governantes para excluir os muçulmanos do meio dos cristãos. O Papa Clemente V declarou que a presença muçulmana no meio dos cristãos era “um insulto ao Criador.” [V. Green: A New History of Christianity; Sutton Publishing; Stroud; 1996; pp.90-1.]

Outros papas, diz Lomax que a partir de Gregório IX até Bonifácio VIII perseguiram incansavelmente os senhores de Lucera (a última colônia de muçulmanos na Sicília) para que expulsassem os seus súditos muçulmanos. [Housley: The Italian crusades; 40; 62; 64-5 In J.P. Lomax: Frederick II, His Saracens, and the Papacy, in Medieval Christian Perceptions of Islam, Edited by J.V. Tolan; Routledge; London; pp. 175-97; p. 189.]

E finalmente, em 1300, os muçulmanos foram foram expulsos da ilha. [D. Abulafia: Commerce and Conquest in the Mediterranean, 1100-1500, Varorium, 1993; p. 4.]

Lucera a Última Colônia Muçulmana na Sicília

A população total dessa comunidade muçulmanas foi estimado pela maioria dos estudiosos modernos em cerca de 60 mil pessoas, a julgar pela capacidade da comunidade em fornecer aos reis da Sicília um contingente militar de cerca de 15,000 homens, dos quais 10,000, conforme relatado por fontes contemporâneas, foram efetivamente enviados para o campo de batalha em Cortenuova.

Em 1239 o imperador Frederico II ordenou a concentração das comunidades muçulmanas em Lucera e Apulia, uma ordem que foi substancialmente cumprida. Em 1240 ocorreu um reassentamento onde 20 mil muçulmanos se estabeleceram em Lucera, 30.000 em outras regiões vizinhas da Apulia e os 10 mil restantes que teria sido realocados em comunidades fora da Apúlia.

Neste ambiente controlado, eles não poderiam desafiar a autoridade real e ainda beneficiavam a coroa com altos impostos e o serviço militar. Em Lucera ( Lucaera Saracenorum ou Lugêrah como era conhecido em árabe), foi de fato a capital política e cultural dessa nova comunidade muçulmana onde 20.000 muçulmanos viveram por aproximadamente 80 anos, até 1300, quando sua comunidade foi dispersada por ordem do monarca Carlos II de Nápoles.

A maioria dos habitantes muçulmanos da cidade foram massacrados ou – como aconteceu com quase 10 mil deles – vendido como escravo, com muitos encontraram asilo na Albânia através do Mar Adriático, suas mesquitas foram demolidas, e as igrejas eram geralmente construídas em seu lugar, incluindo a catedral de S. Maria della Vittoria. Mesmo a maioria dos muçulmanos, que se converteu ao cristianismo foram vendidos como escravos.

Os Emires da Sicília

Hassan al-Kalbi (948–953)
Ahmed I ibn Hasan al-Muizziyya (953–969)
Yaish (969)
Ahmed I ibn Hasan al-Muizziyya (969–970)
Abu l-Qasim (970–982)
Jabir ibn ‘Ali (982–983)
Jafar I ibn Muhammad (983–986)
Abd-Allah ibn Muhammad (986)
Yusuf al-Kalbi (986–998)
Jafar II (998–1019)
Ahmed II al-Akhal (1017–1037)
Abd-Allah Abu Hafs (1035–1040)
Hasan al-Samsam (1040–1044; morreu em 1053)

Arte e Arquitetura Islâmica na Sicília