FONTE: BBC BRASIL

Apesar de terem vivido em Mianmar por gerações, o governo do país alega que eles são novos imigrantes, negando-lhes, portanto, cidadania. Cerca de 1 milhão de pessoas formam a minoria étnica, linguística e religiosa do povo rohingya, muçulmanos discriminados e perseguidos por décadas. Acredita-se que a repressão brutal contra eles provocou uma diáspora de pelo menos outros 1 milhão, em várias partes do mundo.

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Pobreza e repressão

No país que o rohingya chamar de lar, Mianmar (antiga Birmânia), eles são proibidos de se casar ou viajar sem a permissão das autoridades e não têm o direito de possuir terra ou propriedade. No exemplo mais recente de discriminação, autoridades regionais anunciaram recentemente que vão começar a implementar uma regra que proíbe os rohingya de ter mais de dois filhos. Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), a crise do povo rohingya é uma das mais longas do mundo e também uma das mais negligenciadas.

Por isso, em dezembro do ano passado, a ONU aprovou uma resolução que exortou Myanmar a permitir o acesso à cidadania para os rohingya, a maioria dos quais são classificados como apátridas. Os rohingya são cerca de 5% dos 60 milhões de habitantes de Mianmar. Mas a origem desse povo ainda é amplamente debatida.

Por sua parte, eles afirmam serem indígenas do Estado de Rakhine, anteriormente conhecido como Arakan, no oeste do país, mas outros apontam que são, na verdade, muçulmanos de origem bengali que migraram para Mianmar durante a ocupação britânica. Desde 1948, quando o país se tornou independente, eles têm sido vítimas de tortura, negligência e repressão.

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Agora, com as dramáticas mudanças políticas e sociais em curso em Mianmar, os ânimos das várias comunidades que habitam o país estão em ebulição e uma onda de violência e discriminação voltou a emergir contra os rohingya. Nos últimos anos, após ter sido governado por uma junta militar por mais de meio século, a Birmânia está passando por uma transição para a democracia e melhorias sociais que muitos têm elogiado.

Mas a situação não parece ter melhorado para os rohingyas. Em 2012, duas ondas de violência, uma em junho e a outra em outubro, orquestradas por grupos extremistas de maioria budista em Rakhine, deixaram cerca de 140 mortos, centenas de casas e edificações muçulmanas destruídas e 100 mil desabrigados.

Autoridades e a polícia foram acusadas de não agir de modo a defendê-los. Segundo explica o correspondente da BBC no sudeste da Ásia, Jonathan Head, “Rakhine é o segundo Estado mais pobre em Mianmar, e este é um dos países menos desenvolvidos do mundo”.

“A pobreza, negligência e repressão têm desempenhado um grande papel na violência étnica”, diz o repórter. “Adicione a isso as memórias históricas amargas e os medos sentidos por comunidades rivais do que poderiam perder ou ganhar no ambiente político novo e incerto de Mianmar”, acrescenta.

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Desconfiança e desinformação

pós os acontecimentos de Rakhine, as duas comunidades – budistas e muçulmanos – que há décadas já viviam separadas, ficaram totalmente segregadas. “Os muçulmanos estão confinados a áreas de segurança cada vez mais reduzidas”, diz o repórter.

“Aldeias que haviam sido destruídas na onda de violência de junho foram arrasadas completamente durante o novo surto de outubro. E milhares de rohingyas terminaram em acampamentos onde não recebem ajuda do governo e vivem em extrema pobreza.”

“Ambos os lados estão agora completamente segregados”, acrescenta.

Os rohingya também foram acusados de incitar a violência. Acredita-se que os acontecimentos do ano passado ocorreram após o estupro e o assassinato de uma mulher budista em Rakhine. Mas a campanha sangrenta de violência organizada contra os muçulmanos rohingya tem raízes profundas e seu objetivo final, diz Head, é que eles deixem Mianmar.

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“Os budistas de Rakhine repetem boatos terríveis sobre as atrocidades cometidas por muçulmanos e, ocasionalmente, apresentam fotos borradas de corpos mutilados”, explica o correspondente da BBC. “Mas eles (os budistas de Rakhine) também foram negligenciados por muito tempo por parte do governo central e foram levados a acreditar que a população muçulmana está crescendo fora de controle e que isso pode se tornar uma ameaça para a sua sobrevivência”.

“Eles estão com medo da propagação do extremismo islâmico, especialmente entre os jovens rohingya que viveram na Arábia Saudita”, acrescenta Head. É por isso que as autoridades de Rakhine estão usando uma forma de “apartheid” e já falaram abertamente que a única alternativa é a deportação em massa dos rohingya.

Direitos civis

Tanto as Nações Unidas quanto as organizações de defesa dos direitos humanos pedem que as autoridades de Mianmar revejam a Lei de Cidadania de 1982, de forma a garantir que os rohingya não continuem sem pátria.
Essa é a única maneira, dizem, para combater as raízes da longa discriminação contra essa etnia.

Contudo, muitos budistas de Mianmar nem sequer reconhecem o termo rohingya. Chamam-nos de “bengalis muçulmanos”. Uma alusão à visão oficial de que os rohingya são imigrantes de Bangladesh.
Como diz Jonathan Head, cerca de 800 mil rohingyas de Mianmar não possuem cidadania. E isso de certa forma incentivou budistas a acreditar que sua campanha de segregação e expulsão forçada é justificada. Mas a segregação, explica o correspondente da BBC, não só é social.

“As longas décadas de isolamento e de injustiça crônica impostas pela junta militar de Mianmar criou um preconceito e ressentimento no Estado de Rakhine. E isso tem fermentado um clima venenoso da desconfiança e falta de informação.”

“É claro que, além de a separação física dos muçulmanos e budistas, também há uma extrema segregação mental.”