HELMI NASR – a História do Pioneiro do ensino universitário do árabe no Brasil

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O professor Helmi Nasr, fundou há mais de meio século o curso de língua e literatura árabes da Universidade de São Paulo (USP/SP).

Nasr nasceu em Mansoura, na região do Delta do Nilo, cerca de 130 quilômetros ao norte do Cairo, em 22 de março de 1922. Ele frequentou a escola Al Azhar, no Cairo, onde iniciou seus estudos da língua árabe e do Alcorão.

Concluídos os seus estudos universitários na França, Helmi Nasr, como ficou conhecido no Brasil, voltou ao Cairo e foi nomeado professor de tradução francesa na Faculdade de Línguas Estrangeiras da Universidade de ‘Ayn ash-Shams.

No início do ano de 1962, depois de uma viagem do então presidente do Brasil, Jânio Quadros, em visita a alguns líderes orientais da época, decidiu criar os “estudos orientais” no Brasil. Foi, então, que contactou a Universidade de São Paulo, que diante desta solicitação acabou por criar sete cursos e, dentre eles, o de Árabe.

professor Helmi Nasr
Prof. Dr. Helmi Nasr

Diante dessa demanda, a USP foi em busca de professores, obviamente contactando alguns países árabes. O então presidente do Egito, Gamal Abdel Nasser, em atenção ao presidente brasileiro Jânio Quadros, que acabara de conhecer, empenhou-se pessoalmente para que fosse designado um professor de Árabe para o Brasil, o que para surpresa de Helmi Nasr foi o indicado e nomeado para a função devido a proximidade do Francês, cadeira que lecionava na Universidade do Cairo, com o Português. E assim, um projeto que inicialmente seria para um ano, imediatamente virou dois anos, oito anos e, enfim, o professor permaneceu definitivamente no Brasil. No entanto, ao chegar ao país, recebeu também o convite para dirigir um jornal árabe, uma revista e outras atividades ligadas ao mundo e a cultura árabes.

Os dois primeiros anos foram árduos, pois trabalhava sozinho em sua missão. Participou de incontáveis projetos, entre eles a criação do curso de Pós-Graduação em Língua, Literatura e Cultura Árabe da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – FFLCH – da USP/SP. Aposentou-se compulsoriamente em 1992, embora continuasse trabalhando, voluntariamente.

Prof. Dr. Helmi Nasr
Prof. Dr. Helmi Nasr

O que o professor lembra com mais carinho, porém, é da missão que o trouxe ao Brasil. “Antes não tinha curso de árabe aqui”, ressaltou. Ele havia concluído sua pós-graduação na Sorbonne, em Paris, e estava lecionando no Cairo quando recebeu o convite. “Tinham professores que falavam todas as línguas, mas não o português. Então o diretor do departamento me chamou e disse: ‘Você é quem vai. Você fala francês, que é uma língua latina como o português, então você vai resolver o problema”, contou.

Diante de tantos feitos do professor Nasr, e além de ter feito a tradução para o Árabe do livro de Gilberto Freyre, Novo mundo nos trópicos, nos finais do ano de 1980 e início de 1990, orientou projetos importantes com autores e colaboradores (inclusive com o maior calígrafo árabe do mundo, Hassan Massoudy): a Revista de Estudos Árabes, a revista Collatio onde teve importantes parcerias internacionais e dez livros da coleção Oriente e Ocidente. Também realizou dois importantes trabalhos, o dicionário Árabe-Português e a tradução do Alcorão, livro Sagrado do Islam.

Prof. Dr. Helmi Nasr
Prof. Dr. Helmi Nasr

O dicionário Árabe-Português foi editado e lançado no ano 2000, pela Câmara de Comércio Árabe Brasileira – CCAB. O dicionário possui setenta mil palavras, distribuídas em quatrocentas páginas, resultado de cerca de dez anos de pesquisa. Os originais permaneceram guardados por trinta e dois anos antes da publicação.

O trabalho de tradução do Alcorão, ou melhor, do “sentido” do Alcorão, como o entendem os muçulmanos, por ser o livro sagrado indissociável da língua árabe, conta com muitas e precisas notas. Foram vinte e dois anos, entre a tradução e revisões realizadas pela Liga Islâmica Mundial, em Makkah, na Arábia Saudita. Finalmente, foi publicado em 2005, diretamente pelo organismo oficial do Islam, “Complexo do Rei Fahd”. Mais de trinta mil exemplares foram distribuídos no Brasil, segundo dados contidos em Aida Hanania e Jean Lauand (2015: 42).

Em 2007, Helmi Muhammad Ibrahim Nasr tornou-se um dos vinte e um membros do “Conselho dos Sábios”, entidade máxima dos eruditos da Liga Islâmica Mundial, sediada em Makkah (Arábia Saudita), cujos membros representam os muçulmanos do todo o mundo islâmico. Cabe a esse Conselho dos Sábios ainda o planejamento e os projetos para preservação do modo de vida islâmico bem como melhorar a situação cultural no mundo árabe.

Em 08 de Junho de 2015 o Centro de Estudos Medievais Oriente e Ocidente – CEMOrOc, da Universidade de São Paulo, lançou a obra, O diplomata da língua e cultura árabes – estudos em homenagem a Helmi Nasr, organizado pelos professores Aida Hanania e Jean Lauand, em homenagem ao Mestre que em pouco voltaria para sua terra natal. O livro mostra a sua trajetória e a sua contribuição com os estudos Árabes no Brasil.

Liga Islâmica Mundial

Aos 85 anos, sua trajetória é coroada com uma honraria singular: o professor foi convidado a integrar o Conselho dos Sábios da Liga Islâmica Mundial, entidade de grande importância para os muçulmanos.

O Conselho dos Sábios é um dos muitos órgãos integrados à Liga Islâmica Mundial, uma confederação sediada em Makkah, na Arábia Saudita, que congrega diversas organizações ligadas aos diferentes aspectos da vida muçulmana. Formada por 21 sheikhs, professores universitários ou representantes de importantes associações, a entidade tem a função de debater as principais questões do Islam e propor soluções para os problemas encaminhados a ela. Seus membros foram escolhidos para representar os muçulmanos do mundo inteiro. Eles discutem sobre as questões endereçadas e têm a palavra final sobre elas. As decisões tomadas são informadas aos governos do mundo árabe e muçulmano e colocadas em prática, graças ao prestígio de que goza a Liga Islâmica Mundial. Cabe à instituição, ainda, o papel de planejar ações para preservar o modo de vida islâmico. O conselho deve apresentar projetos para melhorar a situação cultural no mundo árabe e muçulmano. O ingresso do professor Helmi Nasr foi uma alegria ainda maior para a comunidade muçulmana do Brasil, já que é a primeira vez que um latino-americano é convidado a tomar parte do corpo superior de eruditos.

O Alcorão em português

Em 1982, surgiu a idéia de fazer uma tradução do sentido do Alcorão para o português. Havia em língua portuguesa, até então, oito versões, sendo sete delas produzidas por escritores cristãos. Apenas uma tinha sido feita por um muçulmano, porém mesmo ela tinha uma base cultural frágil, conta o professor.

professor Helmi Nasr
Professor Helmi Nasr, tradução oficial reconhecido pela Liga Mundial Islâmica do Alcorão para a língua portuguesa.

As traduções anteriores apresentavam falhas gritantes. “Às vezes, o tradutor não conhecia termos ou expressões utilizadas e simplesmente apagava o versículo. Eram também comuns erros simples de conhecimento do idioma, como a confusão entre a palavra em árabe para eternidade, que dava nome a um versículo, e a tarde, que foi a maneira como ele traduziu”, relata.

Um dos autores chegou a fazer a tradução em formato de poesia, o que é proibido pelo islamismo. “Analisei diversas dessas falhas, certa vez, e descobri muitos motivos para rir ou para chorar, se preferir”, brinca.

A Arábia Saudita fez uma solicitação para que Nasr traduzisse algumas obras relativas à cultura islâmica, mas ele enviou uma contraproposta. “Não havia necessidade ainda de traduzir outros livros, mas sim de traduzir a base da cultura islâmica. A idéia foi aceita pela Liga Islâmica Mundial e então comecei o trabalho”, conta o professor.

professor Helmi NasrForam necessários quatro anos de trabalho contínuo. Helmi Nasr afastou-se da USP e formou uma equipe especializada na gramática e na cultura árabe, trabalhando incessantemente. Depois de mais 18 anos de revisão, feita pela Liga Islâmica Mundial em Makkah, a publicação foi autorizada. Desde a edição, em 2005, 30 mil exemplares foram distribuídos no País. O professor foi um grande divulgador da cultura árabe e muçulmana também fora do mundo acadêmico. Helmi Nasr era uma pessoa muito querida e reverenciada nas comunidades árabe e muçulmana do Brasil, e de São Paulo em especial, e no meio acadêmico. De uma simpatia contagiante, o professor sempre estava com um largo sorriso no rosto, que Deus guarde sua alma e que o paraíso seja sua mora eterna, pois sua lembrança sempre estará viva em nossos corações.

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