A Bósnia-Herzegovina lembra hoje o 29º aniversário do massacre de milhares de bósnios muçulmanos em Srebrenica, ocorrido em julho de 1995. Este genocídio, que recentemente ganhou um dia internacional de memória dedicado pela ONU, continua sendo uma ferida aberta na história do país.
Em 1995, mais de 8 mil homens e meninos muçulmanos foram executados por forças sob o comando do general Ratko Mladic.
O massacre de muçulmanos de Srebrenica, pelo qual o ex-comandante servio-bósnio Ratko Mladic foi acusado de genocídio, é considerada a maior atrocidade cometida na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Em cinco dias de assassinatos em julho de 1995, até 8 mil homens e jovens muçulmanos foram sistematicamente exterminados em Srebrenica, então sob a fraca proteção de soldados holandeses das forças de paz da ONU, no que foi descrito pelo tribunal de crimes de guerra da ONU como “o triunfo do mal”.
Em 1995, Srebrenica havia sido designada pela ONU como “área segura”. Posteriormente ao massacre, um juiz da corte de Haia descreveu o que ocorreu na cidade como “verdadeiras cenas do inferno escritas nas páginas mais macabras da história humana”.
Milhares de civis – na maioria muçulmanos bósnios – haviam buscado refúgio em Srebrenica para escapar de outras ofensivas sérvias no nordeste da Bósnia. Eles estavam sob proteção de apenas 100 mal equipados holandeses das forças de paz – que provaram não ser páreo para o Exército sérvio que avançava pesadamente armado.
As forças sérvias bombardearam Srebrenica de 6 a 11 de julho, antes de entrarem na cidade acompanhadas de equipes de filmagem. No dia seguinte, mulheres e crianças foram separadas dos homens e colocadas em ônibus, mostraram gravações de TV da Sérvia. Os homens e meninos foram separados “para interrogatório por suspeitas de crimes de guerra”. Segundo Mladic disse às mulheres, todos seriam retirados dos ônibus para serem reunidos posteriormente em segurança.
Com pedidos de reforços negados, os holandeses das forças de paz foram forçados a testemunhar a execução dos civis enquanto as tropas sérvias agiam visando a “limpeza étnica”. Nos dias anteriores ao ataque, 30 mil muçulmanos que fugiam do avanço do Exército sérvio lotaram a cidade. Depois do massacre, não havia restado nenhum muçulmano.
Um grande número escapou, mas os que ficaram enfrentaram o pior. Milhares de homens e meninos com idades de 10 a 77 anos foram cercados e assassinados. Aqueles que tentaram se esconder em suas casas foram, segundo as evidências apresentadas no julgamento do general sérvio Radislav Krstic em Haia em 2000, “caçados como cães e massacrados”.
“Presenteamos a Srebrenica sérvia ao povo sérvio. Chegou o momento de vingar os ‘turcos’ (nome depreciativo para os muçulmanos bósnios)”, disse Mladic em Srebrenica, em palavras registradas então pelos repórteres de rádio e televisão.
Mais de 60 caminhões com os refugiados saíram de Srebrenica para locais de execução onde eles foram vendados, tiveram as mãos atadas tendo sido mortos por disparos de rifles automáticos. Algumas das execuções foram feitas à noite sob a luz de refletores. Posteriormente, escavadoras industriais empurraram os corpos para valas comuns.
Alguns foram enterrados vivos, disse em 1996 ao tribunal de Haia o policial francês Jean-Rene Ruez, que coletou evidência de muçulmanos bósnios. Segundo ele, há provas de que as forças sérvias mataram e torturaram os refugiados à vontade. Muitos cometeram suicídio para evitar que seus narizes, lábios e orelhas fossem cortados fora. Também há relatos de adultos forçados a matar seus filhos ou assistir aos soldados porem fim à vida de crianças.
Mais tarde foi revelado que Mladic teve o poder de atuar sem ser coibido por emitir ultimatos à força de proteção da ONU. Sugeriu-se que o alto comando da ONU havia prometido suspender os bombardeios contra o Exército sérvio em troca da libertação de 370 soldados da ONU mantidos prisioneiros, com Mladic considerando isso um sinal verde para atacar Srebrenica.
O comandante dos soldados holandeses da ONU, coronel Thomas Karremans, disse ao tribunal de Haia em 1996 que ele primeiramente pediu ataques aéreos da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) quando os soldados de Mladic começaram sua ofensiva em 6 de julho, mas que esse pedido não foi acatado até 11 de julho, quando Srebrenica ficou sob controle sérvio.
Karremans disse que um longo bloqueio sérvio anterior ao ataque deixou o batalhão holandês sem quase alimentos e combustível, mas que pedidos para novos suprimentos não foram respondidos. Em 1999, a ONU admitiu seu erro em esperar que 100 soldados holandeses detivessem o Exército servo-bósnio.
Nas palavras do juiz Fouad Riad, em novembro de 1995, ao indiciar Ratko Mladić in absentia, por genocídio em Srebrenica, no tribunal de crimes de guerra de Haia, havia evidências de uma “inimaginável selvageria: milhares de homens executados e enterrados em valas comuns, centenas de homens enterrados vivos, homens e mulheres mutilados e massacrados, crianças mortas diante das mães, um avô obrigado a comer o fígado de seu próprio neto”. Os corpos eram jogados em valas comuns feitas às pressas.
Conforme o Tribunal Penal Internacional para a antiga Iugoslávia (International Criminal Tribunal for the former Yugoslavia – ICTY), ao tentar eliminar uma parte da população bósnia, as forças sérvias cometeram genocídio. Pretendiam o extermínio dos 40 mil bósnios que viviam em Srebrenica, um grupo emblemático dos bósnios em geral.
Em 6 de setembro de 2013, dezoito anos depois do massacre, a Suprema Corte dos Países Baixos decidiu que o país era responsável pelas mortes de muçulmanos bósnios durante o massacre de 1995, embora as forças holandesas fizessem parte de uma missão de paz da ONU.
A advogada de direitos humanos Liesbeth Zegveld, que representou as famílias bósnias, considerou a decisão como histórica, por estabelecer que países envolvidos em missões da ONU podem ser legalmente responsáveis por crimes, ou seja, abriu-se um precedente notável, no longo histórico de imunidade da organização.
“[A decisão] estabelece que forças de paz (ou a ONU) não podem operar num vácuo legal, onde não existe prestação de contas ou reparação para as vítimas”, como havia sido até agora. Zegveld declarou que tem havido demasiada ocultação pelas Nações Unidas, graças ao “muro da imunidade”. Segundo ela, a sentença “diz claramente que países envolvidos em missões da ONU podem ser responsabilizados por crimes” que nem sempre estarão “acobertados pela bandeira ONU”.